sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Aula 01/09 | A sociedade do descartável e o comprometimento do Design

Leitura e compreensão do texto:

A Emergência do Design Integral - parte 2
Por Daniel Habib*, Douglas Ladik Antunes** e Mauro De Bonis***

O período da "modernidade" pode ser identificado por algumas características inconfundíveis, onde o estabelecimento do fenômeno da industrialização é a principal delas. De modo geral, entende-se por "indústria" uma série de aspectos, tais como a utilização racional (?) de matérias-primas que serão transformadas em produtos planejados, a concentração econômica que resulta da especialização do saber e da divisão do trabalho, dentre outros.

Considera-se, também, "desenvolvimento" como algo que oportunize "progresso". Entretanto, nem sempre se têm muito claro na mente estes conceitos, que constantemente assumem significados que não atendem aos interesses das comunidades onde esteja ocorrendo algum "progresso". Costumeiramente entende-se por "desenvolvimento" e "progresso" valores sempre positivos, imaginando-se "desenvolvimento" como algo empreendido coletivamente, onde o resultado desta ação plural proporcionará benefícios de ordem material para cada um dos integrantes duma determinada comunidade. Mas nem sempre se compreende que "desenvolvimento" é um dos produtos do "modernismo", e este último um resultado inconteste da Revolução Industrial.

O termo "desenvolvimento" deriva de "des-envolver" e, em verdade, é possível traduzí-lo como "desfazer-se do envolvimento que se tinha antes". Na "modernidade", a novidade é a "indústria", onde esta nova entidade é capaz de produzir em escala seriada e considera como um dos seus insumos mais essenciais - para se haver uma produção seriada - a "matéria-prima". "Matéria-prima" e "natureza" são - e sempre foram - sinônimos!

Como resultado da "modernidade", houve um afastamento gradual, profundo e significativo do "homem" com relação a "natureza". E, em meados do século XX, com a necessidade de melhorar os ânimos da Europa destruída pela 2ª Guerra Mundial, inventou-se o termo "desenvolvimento", que satisfez a uma equação necessária aos interesses dos povos e dos governos de então. Nesta equação, a esperança quase perdida das populações e nações massacradas pela guerra, se somava à necessidade da "indústria" se readequar ao ritmo imposto pela reconstrução da Europa. Cunhou-se, assim, este termo, que conseguiu aglutinar diversos interesses em torno de um ideal comum, ou seja, o crescimento econômico como bem-estar social. No ápice da vivência da "modernidade", na Europa, "des-envolver" trouxe consigo uma mudança de percepção da indústria: se antes a natureza era apenas fornecedora de "matérias-primas", agora, num sentido mais radical, não se deixou de estar "envolvido" apenas com os desastres da guerra, ao contrário, o "envolvimento" perdido foi com a natureza. "Des-envolver" significava, portanto, deixar de estar envolvido com a natureza, com o ambiente, com o meio.

Assim, a "industrialização" protegeu - e ainda protege - a poluição e a problemática social pela qual é - e sempre foi - causadora e responsável. Não foi por menos que as sociedades foram encaminhadas, ao longo da "modernização", à adoração exacerbada de novos objetos produzidos por seriação industrial, dentre os quais muitos conseguiram aprisionar o ser humano através da demência do status. Por muito tempo estes impactos sócio-ambientais não encontraram a audiência e a ressonância necessária na "vida moderna" para que se pudesse denunciar estes problemas, e, assim, organizar a vida em favor de uma nova ação com direção e conseqüências menos perigosas.

Nos dias de hoje, estes impactos sócio-ambientais vêm à tona, deflagrando a real situação das "sociedades modernas" e "pós-modernas", percebidos através de indicadores alarmantes como a violência, os problemas de saúde, dentre muitos outros, pois que as populações estão lentamente se sensibilizando para os reais custos desta "modernidade". Estes imensos "passivos sócio-ambientais" não são contabilizados nos cálculos dos grandes fluxos de capital financeiro mundial, ou seja, a humanidade "produz" e "consome" conforme suas "necessidades" e "desejos", porém não debate ou ao menos reflete com a profundidade necessária sobre os reais custos de um "produto" ou de um "serviço".

Pode-se dizer, em linhas gerais, que "a indústria transforma natureza em matéria-prima e matéria-prima em produtos", por intermédio da inserção de energia humana ou transformada (através da natureza), e em nenhum momento destes ciclos de interferência retornam-se benefícios aos meios de origem de todas as matérias: os ecossistemas. Em outras palavras, a ótica atual demonstra que os ecossistemas são tratados como grandes "almoxarifados de matérias-primas", e os valores destas matérias são atribuídos com base somente nos custos operacionais de transformação, sejam estes diretos ou indiretos. Mas qual é o real custo financeiro da perda da biodiversidade? Da exploração da força de trabalho? Da poluição dos ecossistemas? Da baixa qualidade de vida?

Faz-se urgente na atualidade, mais que nunca, o aprendizado de uma nova equação sobre o "real custo das mercadorias" frente a um cenário cada vez mais degradado, doentio e decadente. A insistência na manutenção ideológica, política, econômica - e, necessariamente, militar - desse modelo de "des-envolvimento moderno", disfarçado por diversos meios - dentre os quais figuram as contribuições do design industrial e da publicidade - , fez surgir uma imensa pressão reversa que anseia por um novo modelo, onde a "produção" e o "consumo" tenham de ser mais justos social e economicamente e mais responsáveis ambientalmente.

Por volta dos anos 80, finalmente emergiu o conceito de "desenvolvimento sustentável", anunciando a inadiável necessidade de se avaliar os resultados da produção industrial sob a análise de diversas dimensões do conhecimento humano, pois que já não se suportava que uma "indústria" se mantivesse hipertrofiada no "eficaz-eficiente-efetivo" tecnológico e econômico. Muitos pensadores de grande valor defendem um "desenvolvimento sustentável" a ser estruturado através da análise crítica e transparente de várias dimensões do conhecimento para viabilizar este novo paradigma técnico-econômico; inserem-se aqui dimensões como a educação, a política, a cultura, a preservação e conservação ambiental… a lista é grande. Mas, segundo Ignacy Sach's - um grande e entusiasta defensor do "desenvolvimento sustentável" - o termo "desenvolvimento" não é bom para indicar um novo modelo que pretenda transpor a "modernidade". Ele preferiu um outro termo para designar esta intenção / pretensão, ele preferiu o termo "integral".

Por isso o "DESIGN INTEGRAL" já nasce diferindo-se das pré-suposições da "modernidade" - e, também, das da "pós-modernidade" - pois que não se somará aos modelos apoiados nas idéias de "des-envolvimento", e, portanto, de um "Desenvolvimento Sustentável". Um "Envolvimento Sustentável", ou ainda um "Envolvimento Integral" - com a devida licença científica para estes termos - são mais adequados para delineá-lo. Assim, dentre as premissas que colaboram e contribuem para instituir o "Design Integral", uma afirmação é para nós muito especial e expressiva:

"Entre as noções que compõe o conceito de 'Design Integral', é preciso evidenciar, então, que o termo 'integral' contempla uma postura com relação ao conhecimento e às práticas e atividades humanas. 'Integral' supõe uma 'integridade', na qual as partes não podem ser separadas do seu todo, e nem tampouco das relações que existem entre as partes.

As atividades desenvolvidas por esta forma de design (entendido aqui como planejamento ou 'desenho') da realidade, solicita a todos a tarefa de compreender a 'integridade' das relações do ambiente, e a 'integridade' dos impactos humanos sobre a natureza.

O Design Integral convida a todos para um rumo que compele os saberes e as ações a uma 'integridade', uma relação completa, e não parcial. Não basta conhecer o ambiente em suas partes; não basta entender como funciona o presente. É preciso compreender que o passado e o futuro estão ligados, 'integralmente', e que o que os une é o nosso presente.

Agir no presente, com 'integridade', é compreender 'integralmente' o passado, planejando 'integralmente' o futuro" (HABIB; 2003).

* Daniel Habib é Publicitário, Filósofo e Assessor Técnico do CEPAGRO - Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo, em Florianópolis.
** Douglas Ladik Antunes é graduado em Engenharia Mecânica, mestre em Engenharia Ambiental pela UFSC e professor do curso de design da UDESC.
*** Mauro De Bonis é graduado em Desenho Industrial, professor de design da UDESC e mestrando em Engenharia de Produção na UFSC.

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